A crise ambiental é hoje um lugar comum, com ampla aceitação nos meios acadêmico, político e jornalístico. A consciência das implicações do modelo econômico, que criamos entre os sécuos XIX e XX, nasceu como percepção dos seus limites, desde meados do século passado, e se desenvolveu ao longo de sua segunda metade por meio de um conjunto variado de estudos e publicações (Meadows, Georgescu-Roegen, Herman Daly, Diamond, Lovelock, Latouche, entre dezenas de outros). Hoje ganha espaços, adeptos e contornos inimagináveis há uma década. Recentemente André Lara Rezende, por exemplo, escreveu sobre os limites naturais do modelo econômico, no jornal
Valor.
Fukuyama, por sua vez, deu recentemente uma entrevista ao jornal Spiegel, denunciando as enormes desiguadades sociais que o sistema cria. A crise ambiental se mistura com outras, particularmente a atual crise econômica, cujas dimensões ainda não temos claro. No final do mês passadao, a Organização das Nações Unidas publicou um documento (Resilient people, resilient planet) que torna o famoso relatório Brundtland, de 1987, uma coisa de criança, em relação a gravidade dos riscos que sofremos atualmente.
No entanto, salvo se acreditarmos na vocação suicida da humanidade, não se compreende com clareza as razões do desenconto entre as percepções da crise e as medidas tomadas para superá-la. Podem-se levantar hipóteses. Uma delas, e certamente não a mais importante, encontra-se na contradição entre a lógica governamental e a natureza do problema ambiental.
O governo, assim como parte de nossa organização científica, se faz por setores. Divide a realidade em pedaços: educação, saúde, infra-estrutura, agricultura, comércio etc. E pior, a organização setorial é absolutamente compartimentada. O que faz com que cada setor não converse com outro. Cada ministério guarda suas informações, e dificilmente passa a outros. Afinal, informação é poder.
Ora, qualquer problema ambiental não se resolve setorialmente. A qualidade e a quantidade dos recursos hídricos para o abastecimento humano não depende apenas da conservação de suas fontes, mas também da conservação dos leitos, do sistema de saneamento, dos tipos de irrigação, entre outros. A conservação das florestas não depende apenas do conhecimento biológico, mas das medidas econômicas e sociais. Depende não apenas da fiscalização, mas da política de crédito, da política fiscal, da rede de transporte, da gestão das florestas e da consciência ambiental da população local e urbana, nacional e internacional.
Por isso, as questões de meio ambiente e com ela, as do desenvolvimento sustentável, não podem ser tratadas ou ser responsabilidade de um ministério ou de uma agência. Elas têm que ser responsabilidade de diversos ministérios e agências. Não teremos uma boa utilização da biodiversidade e suas riquezas se não houver investimento em ciência e tecnologia (para fomentar pesquisa), educação (para formar cientistas), transporte (rede de transporte inteligente), agricultura e pecuária (limitada a determinados espaços), na expansão do crédito e na política fiscal (para estimular as atividades inovadoras), entre outros.
O que significa, em termos governamentais que não poderemos enfrentar os problemas ambientais e de desenvolvimento sustentável se os Ministérios de Meio Ambiente, Ciência e Tecnologia, Educação, Agricultura e Transportes e Fazenda, não conversarem. Afinal, as dificuldades são diversas mas, sobretudo, intragovernamentais, com pouca interlocução entre os vários setores, em particular aqueles responsáveis por maiores impactos ambientais.
É verdade que esta interlocução não é favorecida por cobranças societais. Neste último aspecto há de se referir a pouca legitimidade que as questões ambientais ocupam no âmbito da sociedade brasileira, mais preocupada em crescer economicamente, gerar emprego e renda, melhorar sua qualidade de vida com ampliação de acesso aos direitos sociais, ganhar competitividade no parque produtivo e melhorar a inserção na economia mundial.
Todos interesses sobejamente reconhecidos como legítimos, mas que no mais das vezes são definidos em termos excessivamente imediatistas, sem preocupação com as condições naturais onde nos inserimos e das quais dependemos. Sem atentar devidamente às mudanças em curso no mundo, quanto às restrições crescentes dos recursos naturais e ao processo de criação de uma sociedade do conhecimento, em que as exigências de consumo aumentam e as definições de qualidade de vida se transformam.
A imagem do meio ambiente na sociedade brasileira ainda é ambígua, senão negativa, resultado da abundância dos recursos naturais que detemos e da arrogância própria à modernidade. Por sua vez, a imagem dos que se ocupam do meio ambiente é a de dificultadores do progresso. Em resumo: as questões ambientais são vistas como problemas, e não como partes importantes das soluções inovadoras que o mundo conhece atualmente.
Professor associado do Centro de Desenvolvimento Sustentável da UnB